PRÓLOGO AO LEITOR (1789)

17/10/2022

PROLOGO AO LEITOR.

A IGNORANCIA , em que eu me achava das couſas da Patria , fez que lançaſſe mão dos noſſos bons Autores , para nelles me inſtruir , e por ſeu auxilio me tirar da vergonha , que tal negligencia deve cauſar a todo homem ingenuo. Appliquei-me pois á lição delles , e ſuccedia-me iſto em terra eſtranha , onde me levárão trabalhos , deſconhecido , ſem recommendação , e marcado com o ferrete da deſgraça , origem de ludibrios , e vituperios , com que ſe afoitão aos infelices as almas triviaes. Não he porém do toque deſtas a do Illuſtriſſimo , e Excellentiſſimo Senhor Luiz Pinto de Souſa Coutinho , Senhor de Balſemão , Tendaes , e Ferreiros , Varão benemerito da Humanidade , e da Patria , a quem ſobre infinitos beneficios , e os maiores que ſe podem pretender neſte mundo , devo o de me franquear a ſua mui eſcolhida , e copioſa livraria. Nella achei boa copia dos noſſos livros claſſicos , de cuja leitura vim a conhecer me era neceſſario eſtudar a lingua materna , que eu, como muita gente , preſumia ſaber arraſoadamente. Entendi tambem , que converſando muito os taes Autores he que poderia fazer alguns progreſſos , e fui contínuo em os revolver por mais de ſeis annos. Acompanhei eſte eſtudo com os auxilios do Bluteau , que achei muitas vezes em falta de vocabulos , e frazes ; e mui frequentemente ſobejo em diſſertações deſapropoſitadas , e Aranhas do aſſumpto , que fazem avolumar tanto a ſua obra.

Eſte ultimo reparo me animou a eſcolher para meu uſo tudo o que elle traz propriamente Portuguez , deixando ſómente os termos da Mythologia , os da Hiſtoria antiga , e da Geografia , á imitação dos melhores Diccionariſtas das linguas vivas. E ainda eu quizera ommittir muitos vocabulos de cargos , officios , navios , e outras couſas da Aſia , e Ethiopia , que vem nas Hiſtorias daquellas partes , explicados ahi meſmo pelos Autores , e de que ninguem uſou depois: mas receei que me accuſaſſem deſta ommiſsão , e lá os conſervei.
Do que recolhi das minhas leituras fui ſuprindo as faltas , e diminuições que nelle achava ; e quem tiver lido o Bluteau , e conferir com o ſeu eſte meu trabalho , achará que não foi pouco o que ajuntei ; e mais podéra accreſcentar , ſe as minhas circumſtancias me não levaſſem forçado a outras applicações mais fructuoſas. Todavia não venderei ao público por grande o ſerviço que lhe fiz , baſta que conheça que lhe poupei a deſpeza de 10 volumes raros ; que lhe dou o bom que nelles ha , muito melhorado , e por huma decima parte , ou pouco mais do ſeu cuſto , com a commodidade de não andar revolvendo tantos tomos ; e iſto he alguma coiſa , em quanto não apparece outra melhor.

Os Autores, com que autoriſei os artigos addidos , são Portuguezes caſtiços , e de bom ſeculo pela maior parte: (a) bem ſei que os criticos tem cada hum o ſeu mimde Portugueza v. g. o termo abobado , tanto preſta Barros , como Duarte Nunes de Leão , quaſi ſeu contemporaneo , mui lido nos livros Portuguezes , e que trabalhou muito na lingua.

Quanto á Orthografia que ſegui , declaro altamente , e de bom ſom , que na maior parte a ſigo contra o meu parecer , e porque aſſim o querem. Eu ſou pela Orthografia Filoſofica , a qual fundada na analiſe dos ſons proprios ou vogaes , e na de ſuas modificações , pede que a cada hum ſe dè hum ſó final , ou letra privativa , diſtinta , e que não repreſente nenhum outro ſom , ou conſoante. Deſte voto erão João de Barros (a) o Célebre Duclos (b) e o immortal Franklin tão abaliſado na carreira Filoſofica , e Politica , (c) cujos nomes aponto para confuso dos que , não valem tanto como eſtes , nem como Tullio , e Ceſar , que tambem grammaticárão (d).

Não tenho mais que preambular , e concluirei com pedir aos homens judicioſos , e verſados neſte genero de litteratura , que relevem os meus erros , e deſcuidos: a quem não tem diſcernimento , e tem a ſua livraria , ou cabeça bem expurgada de livros , e erudicções Portuguezas , que por decoro ſeu ſe dè por ſuſpeito na cauſa ſenão quizer que o reconheção por incompetente.

Vale.

 

(a) Os Puriſtas Portuguezes não concordão ácerca do merecimento dos noſſos Claſſicos: huns querem que Vieira ſeja oraculo na propriedade , pureza , e até na Orthografia das palavras ; ha de ſe uſar de amfora , bufano , e eſcrever açacalado porque são de Vieira: outros tem-no por autor ſuſpeito na pureza da lingua , e não conſentem que valha o que náo traz o cunho , fello de Caſtanheda , Fr. Marcos de Lisboa , Pinheiro , &c. Eſtes ſenhores eſquecem-ſe por ventura do que Horacio recommenda na Epiſt. 2. L. 2. V. 115. e ſeguintes, e na Poetica deſde o 45 ate 72 Canfórme a eſtes principios ajuntei aqui o antiquado, para ſe achar a explicação, e ſe poderem reſuſcitar vocabulos antiquados , ou antes eſquecidos nos 6o annos , em que eſtivemos ſujeitos a Heſpanha , e em que o Portuguez andava no deſuſo , que refere Manoel de Galhegos no prologo do ſeu Poema ; e tambem collegi os termos innovados das artes , e ſciencias , como v. g. os da mechanica , traduzida pelo doutiſſimo P. Joſé Monteiro da Rocha Profeſſor da Univerſidade de Coimbra , e os que lá na dita Univerſidade cortem na Hiſtoria Natural , Quimica , &c.: quanto aos outros que vem nas Leis modernas , como todos as devem entender , acho que eu os devo aqui explicar: alguns tirei da Deducção Chronologica , e outros papeis da Real Meza Cenſoria , e Miniſteriaes , que tem huma eſpecie de ſello , ou cunho público. Rariſſima vez cito algum uſado do Candido Luſitano na Atalia de Racine , que traduzia ſobreexcellentemente , ou pelo Optimo Poeta Pedro Antonio Correia Garção , os quaes ambos, como aquelles que erão mui bem verſados nos bons eſtudos patrios , e da Lingua materna ; sáo bons abonadores dos vocabulos que genitor produxerit ufus ,, mas de Garção cuido que não merece igual appreço o que eſcreveo em proſa.

(a) Orthografia f. 184. edicção de 1785. em 8.
(b) Grammaire Generale & Raiſonnée à Paris 1780. in 12.°
(c) Franklin’s Miſcellaneous Tracts Lond. 1779. ou 80. in 8.°
(d) V. Sueton. in Cæſare. cap. 56 , in Auguſt. cap. 88. veja-ſe Quintiliano Inſt. Orat. L. 1. c. 7. e 8.